Quantcast
Channel: Blog 365 Filmes - Cinema além dos créditos finais
Viewing all 281 articles
Browse latest View live

[Em breve] Bolão do Oscar 2018

$
0
0


Nosso tradicional Bolão do Oscar já está quase no ar. Chegamos a nossa 5ª edição e ela está recheada de prêmios. Também teremos um parceiro surpresa! Fiquei ligado em nossas redes sociais para acompanhar o lançamento. Ele também será publicado aqui.

Até já!

O Insulto - Preconceito e Empatia

$
0
0
O Insulto (2017) é um longa dirigido pelo libanês Ziad Doueiri, conhecido pelos premiados filmes West Beirut (1998) e O Atentado (2012), além do seu trabalho como assistente de câmera para Quentin Tarantino nos filmes Jackie Brown, Pulp Fiction e Cães de Aluguel. 

O longa é um dos cinco concorrentes da categoria de Melhor Filme Estrangeiro do Oscar 2018 e a primeira indicação do cinema libanês no prêmio da Academia, apesar de ter corrido o risco de não ser sequer indicado, por conta das cenas filmadas em Israel, o que ainda é crime no Líbano. Graças ao apoio público, o filme seguiu carreira em festivais e venceu o prêmio do Audience Award da American Film Institute e o prêmio de Melhor Ator para Kamel El Basha no Festival de Veneza.

O filme, baseado em uma situação vivida pelo diretor, se passa em Beirute e acompanha o insulto explosivo que leva Toni (Adel Karam), um cristão libanês de direita, e Yasser (Kamel El Basha), um refugiado palestino, para o tribunal. A partir dessa premissa simples, o filme constrói uma interessantíssima alegoria para a situação política do Líbano, criando o drama a partir de uma situação aparentemente banal e cotidiana.

O grande trunfo do roteiro, também assinado pelo diretor e pela roteirista Joelle Touma, é criar personagens que se antagonizam ao mesmo tempo em que se assemelham em suas interioridades, algo que o filme explora habilmente, brincando com a“lealdade” do público a cada um na medida em que os personagens são expostos a situações de proporções cada vez maiores em meio ao circo midiático e a martirização de ambos.

A estrutura narrativa do filme, simples e concisa, nunca perde de vista os protagonistas, alternando, na maioria das vezes, as cenas de tribunal com momentos intimistas deles com suas esposas. Mesmo nas cenas onde estes não são o foco principal, é o conflito de ambos que motiva as relações e posicionamentos dos outros personagens, diversas vezes colocados, metaforicamente ou não, na posição de réus ou juízes de uma situação que em muito extrapola seu estopim original para tornar-se um novo capítulo de um interminável conflito histórico.

O filme funciona principalmente por abrir mão da abordagem caricatural ou maniqueísta, que embora possa funcionar como elemento básico na criação do drama, genericamente falando, aqui não serve a uma trama que se propõe a colocar seus personagens e o público em uma reflexão séria, interessada nos tons de cinza de temas que perpassam por guerras e conflitos históricos, ainda que dimensionados a partir de um evento tão circunstancial.

A abordagem realista do filme, contudo, é sensível o suficiente para perceber em seu desfecho que a empatia ainda é uma das mais poderosas e valiosas atitudes humanas, ainda que suas consequências possam não ser tão grandiosas ou duradouras.

Três Anúncios Para um Crime - A Toxicidade da Violência

$
0
0
Três Anúncios Para Um Crime (2017) é escrito, produzido e dirigido por Martin McDonagh, diretor dos elogiados Na Mira do Chefe (2008) e Sete Psicopatas e um Shih Tzu (2012). O filme foi premiado no Festival de Toronto, no British Film Awards e no Globo de Ouro, além de receber sete indicações ao Oscar 2018, incluindo Melhor Filme, Melhor Roteiro Original e Melhor Ator Coadjuvante - com duas indicações nesta categoria, para Woody Harrelson e Sam Rockwell.

O filme acompanha Mildred Hayes (Frances McDormand), uma mãe que, inconformada com a ineficácia da polícia em encontrar o culpado pelo brutal assassinato de sua filha, decide chamar atenção para o caso não solucionado alugando três outdoors em uma estrada, rapidamente repercutindo em toda a cidade e trazendo inesperadas e violentas consequências.

O grande diferencial do filme está nas suas inspiradas escolhas narrativas, que se afastam dos lugares-comuns de filmes sobre crimes com personagens incansáveis que buscam a justiça. No roteiro de McDonagh, a tragédia não leva inevitavelmente à redenção, à catarse e à soluções definitivas. Aqui, a tragédia é aliada, de maneira improvável, mas certeira, a um humor cáustico e desbocado, oriundo das mazelas e interioridades de uma miríade de personagens interessantíssimos e nietzschianos; humanos, demasiado humanos.

A raiva pode não ser a saída mais edificante, mas frequentemente é a mais verossímil e interessante dramaticamente, algo brilhantemente explorado através da obsessão, dor e culpa da riquíssima personagem interpretada por Frances McDormand, em um de seus melhores papéis desde Fargo (1996). Igualmente impactantes são os personagens coadjuvantes, como o delegado Willoughby (Woody Harrelson), um relutante aliado de Mildred que lida com sua própria mortalidade ao mesmo tempo que tenta enxergar o melhor no seu parceiro, o policial racista Jason Dixon (Sam Rockwell), um antagonista “cômico” com um improvável - e polêmico - arco dramático.

As complexas relações entre o trio de personagens é o fio condutor do filme, desenvolvidas através de diálogos rápidos imbuídos de uma acidez niilista, muitas vezes colocada de forma cômica como contraste a situações extremamente violentas - é o tipo de combinação que incomoda o público no melhor sentido possível e prova o quão segura é a visão do diretor para a sua narrativa. 

Narrativa esta, aliás, que tem como significado sintomático uma não tão sutil crítica a diversas questões culturais americanas - a cidade de Ebbing é fictícia, mas seus problemas não, o que torna o discurso sobre a toxicidade da violência algo atual e envolvente, criando até mesmo uma empatia e identificação do público com estes personagens, em maior ou menor grau, indefensáveis.

Em meio a todos esses elementos, o apuro estético do filme é onipresente, desde detalhes como o livro lido por um dos personagens, “Um Bom Homem é Difícil de Encontrar”, como os belíssimos planos feitos pelo versátil diretor de fotografia Ben Davis, que ilustram o frágil balanço entre a anarquia e a melancolia da cidade. 

No fim das contas, a resolução do mistério do assassinato em si é o que menos importa para o filme, mas há em torno disso conteúdo de sobra, de modo que essa escolha só tem a acrescentar à intenção de McDonagh, que prefere deixar a quase-literal estrada para a redenção ou destruição de seus protagonistas como um caminho em aberto, em sintonia com suas moralidades cinzentas.

A elegância destrutiva de Trama Fantasma

$
0
0
Não dá para falar de Paul Thomas Anderson sem falar de seus protagonistas. Desde o final da década de 90, o norte-americano vem se estabelecendo como um excelente contador de histórias, e é através do estudo de personagem que ele desenvolve narrativas surpreendentes e admiráveis. Em seu oitavo longa, Anderson retorna a todo vapor, assumindo três cargos de grande importância: a direção, o roteiro e a fotografia.

Ambientado nos anos de 1950, Trama Fantasma é centrado no perfeccionista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), que não está disposto a colocar nenhuma prioridade acima de sua brilhante carreira como estilista. Inflexível e um tanto excêntrico, ele se vê desafiado por Alma (Vicky Krieps), uma jovem não muito polida para sua rotina burguesa, mas detentora de uma personalidade tão forte quanto a dele. Os dois desenvolvem uma relação baseada num constante jogo de poder.

Em toda sua elegância, o estilista britânico ainda exibe a masculinidade tóxica característica dos protagonistas de Paul Thomas Anderson. Longe da ganância cega do petroleiro Daniel Plainview, em “Sangue Negro” (2007), ou da agressividade incontrolável de Freddie Quell, em “O Mestre” (2012), Reynolds Woodcock parece fechar uma trilogia de redenção ao apresentar momentos de vulnerabilidade tão intensos - e tão essenciais para a história. Nesses momentos, a direção de arte, incrivelmente atenta aos detalhes, deixa de lado os trajes finos encorpados para colocar o personagem em figurinos que parecem escondê-lo e oprimi-lo.

Não é a toa que o drama apresente as personagens femininas mais proeminentes da filmografia do diretor. Além de Alma, a grande mansão do estilista também abriga Cyril, a irmã apática que não agrega calor algum ao inverno londrino. A atriz Lesley Manville rouba a cena diversas vezes por ser a única capaz de domar a personalidade forte do protagonista. Juntas, as duas mostram como a petulância que Woodcock depende muito delas - e como elas podem facilmente destruí-la.

Essa não poderia ser uma despedida das telonas mais apropriada para Daniel Day-Lewis, que anunciou sua aposentadoria em junho de 2017. A obsessão do estilista pelos seus vestidos não fica muito atrás do trabalho do próprio ator, conhecido por se dedicar tanto aos seus personagens que se mantém neles até fora das gravações. A semelhança é tanta que, segundo declarações do próprio ator, Trama Fantasma foi um dos motivos para sua decisão de se aposentar. O filme também assumiu um tom pessoal para Paul, que disse ter se inspirado numa noite incomum com sua esposa, a comediante Maya Rudolph.

Na claustrofobia dos close-ups que dominam um dos dramas mais imersivos do diretor, vemos o potencial destrutivo de uma relação que parece começar num contexto amoroso, mas que se transforma em uma máquina imprevisível. Nesta segunda colaboração de Thomas Anderson com Day-Lewis, não é a brutalidade árida do Velho Oeste ou as engrenagens das bombas de extração de petróleo que estabelecem o tom de ameaça. É um suspense mais sutil, uma “morte silenciosa” que paira no ar.

Como são escolhidos os eleitores e vencedores do Oscar

$
0
0
O Oscar é um daqueles famosos casos em que a criação supera o criador, ao menos, nesse caso, em conhecimento popular. A premiação dada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas desde 1929 é hoje uma das cerimônias mais conhecidas e prestigiadas do planeta. Muitos profissionais do cinema querem estar entre seus vencedores e, outros muitos, também querem estar entre aqueles que ajudam a eleger estes vencedores. Entretanto, você sabe como são escolhidos os membros da Academia e como funciona a votação do Oscar?

Se tornando um membro

Para se tornar membro, o profissional deve ter seu nome apresentado (“apadrinhado”) por pelo menos dois colegas de sua própria categoria à diretoria do setor – neste caso, por exemplo, um diretor só pode ser indicado por outros diretores, diretamente ao conselho da categoria de Direção. Caso aprovada, a candidatura é encaminhada ao Conselho geral da Academia, formada pelo presidente, seu vice, e um número extremamente restrito de membros eleitos.

Os brasileiros Kleber Mendonça Filho (foto) e Rodrigo Santoro estão entre os votantes da premiação de 2018.
O conselho, então, irá avaliar se o candidato tem contribuições consideráveis à Sétima Arte e se representa os padrões prestigiados pela organização. Alguns fatores como, ter recebido ou, pelo menos, ter sido indicado ao Oscar anteriormente, além do número de membros apoiadores dentro da categoria almejada, são relevantes para a aprovação do candidato, no entanto, não são requisitos básicos. Por se tratar de um processo de convite, o candidato só fica sabendo da possibilidade de integrar a entidade – desconsiderando as especulações da imprensa – se for aprovado. Quando isso acontece, ele recebe uma carta comunicando a escolha da Academia, seguida da taxa de anuidade, em torno de 250 dólares. 

A seleção dos indicados

Para que exista a possibilidade de um filme longa metragem concorrer ao Oscar, a produção deve, necessariamente:
  • possuir no mínimo 40 minutos de duração;
  • ter estreado publicamente em uma sala de cinema de referência da cerimônia - entre 01 de janeiro e 31 de dezembro do ano anterior a ela - no formato 35mm, 70mm ou versões digitais de 24/48p;
  • e, por fim, ter sido exibida em Los Angeles por pelo menos sete dias consecutivos.
Isso se aplica a todas as categorias, com exceção de Documentário, Curta Metragem, Filme Estrangeiro e Animação, que podem ter variações. Além de cumprir as regras, o produtor ou distribuidor tem que preencher um formulário chamado “Official Screen Credits”, onde são descritos os créditos de produção referentes às categorias para as quais o filme pretende concorrer. 

A organização, então, reúne todos os títulos recebidos em uma ficha, enviada para os votantes no início de janeiro. A partir dela, cada afiliado vai indicar, por ordem de preferência, cinco indicados que ele acredita que devam estar na disputa final pela estatueta. Cada membro só poderá realizar indicações referentes ao seu ramo específico de trabalho, assim sendo, atores indicam para as categorias de atores, roteiristas indicam roteiristas e assim consecutivamente. A exceção é a categoria Melhor Filme, na qual todos podem realizar indicações, com um teto máximo de dez produções por membro.

Para se chegar a lista final de indicados, a ordem das escolhas feitas por cada membro, possui um peso importante. Inicialmente, são contabilizada as primeiras opções. Os candidatos com menções inferiores a 1% são automaticamente descartados e, para os aptos a participar da seleção final, é fixado um número mínimo de votos. Esse número é calculado através da divisão total de membros votantes pela quantidade de indicados uma categoria pode ter. O mesmo cálculo é aplicado às segundas opções, respeitando-se o peso da posição secundária.

A última pessoa a ser indicada nas duas categorias de atuação em um mesmo ano foi Cate Blanchett, em 2007.
Caso ainda não tenham sido preenchidas todas as “vagas”, são realizadas as contagens das terceiras, quartas e quintas opções. Deste modo, a lista final pode não incluir necessariamente os mais votados, mas sim, aqueles que acumularam maior pontuação de acordo com o peso de suas posições em relação ao número total de votantes.

Uma curiosidade é que não há requisitos que determinem se um ator ou atriz deve ser indicado à categoria principal ou coadjuvante. A única restrição é que um membro não pode indicar um profissional nas duas categorias pela mesma atuação. O que determina em qual categoria o profissional vai se encaixar, é o número de votos por proporção que recebeu em cada uma delas, prevalecendo obviamente o maior.

A votação do Oscar

Com a lista final de indicados concluída, os membros da Academia vão para a última etapa de votação: os vencedores. Agora, cada membro recebe permissão para votar em todas as categorias. No entanto, além de serem aconselhados a assistir cada uma das produções referentes às áreas para as quais votarão – o que raramente ocorre –, ainda têm a recomendação de evitar categorias das quais tenham pouco conhecimento técnico ou estético.

Nesta fase, a decisão ocorre por voto direto, com os ‘eleitores do Oscar’ votando somente em seu candidato preferido a levar a estatueta. A exceção, novamente, é a categoria de Melhor Filme. Através de um sistema de votação muito semelhante ao da fase anterior, cada afiliado votante lista os indicados por de preferência e é realizado o cálculo considerando o peso de cada posição. A vitória só garantida por uma maioria absoluta, ou seja, 50% mais um. 

Agora que você já conhece o funcionamento dos bastidores da maior premiação de cinema, vai poder assistir ao Oscar 2018 com outros olhos. Se você ainda não conferiu todos os indicados, dá uma passadinha nessa lista aqui. Fique ligado que a premiação é neste domingo, dia 4 de março, a partir das 22h. E se você perder alguma coisa não se preocupe que no dia seguinte a 365 vai trazer a lista completa dos vencedores!

Texto por: Kérisson Wemerson
Revisão e considerações finais por: Beatriz Briada

Oscar 2018: Confira a lista completa dos vencedores da 90ª edição

$
0
0
Em tom saudosista, o Oscar comemorou seu aniversário de 90 anos fazendo história com alguns resultados. Esta é a primeira vez que os ganhadores das categorias de atuação - Frances McDormand, Gary Oldman, Allison Janney e Sam Rockwell - venceram em todas as principais premiações da temporada. O terror Corra! superou as críticas recentes que diziam que filme "não pertencia" ao Oscar ao ganhar como Melhor Roteiro Original. James Ivory, 89 anos, se tornou a pessoa vai velha já premiada no Oscar, ao conquistar o prêmio de Roteiro Adaptado, por Me Chame Pelo Seu Nome.

Ogrande vencedor da noite foi A Forma da Água, que além da categoria principal, também levou pra casa Melhor Direção, Melhor Trilha Sonora e Melhor Design de Produção. Confira a lista completa de vencedores!

Melhor Filme
Me Chame Pelo Seu Nome
O Destino de Uma Nação
Dunkirk
Corra!
Lady Bird
Trama Fantasma
The Post: A Guerra Secreta
A Forma da Água
Três Anúncios Para um Crime

Melhor Direção
Christopher Nolan - Dunkirk
Jordan Peele - Corra!
Greta Gerwig - Lady Bird
Paul Thomas Anderson - Trama Fantasma
Guillermo del Toro - A Forma da Água

Melhor Atriz
Sally Hawkins - A Forma da Água
Frances McDormand - Três Anúncios Para Um Crime
Margot Robbie - Eu, Tonya
Saoirse Ronan - Lady Bird
Meryl Streep - The Post: A Guerra Secreta

Melhor Ator
Timothée Chalamet - Me Chame Pelo Seu Nome
Daniel Day-Lewis - Trama Fantasma
Daniel Kaluuya - Corra!
Gary Oldman - O Destino de Uma Nação
Denzel Washington - Roman J. Israel, Esq.

Melhor Atriz Coadjuvante
Mary J. Blige - Mudbound
Allison Janney - Eu, Tonya
Leslie Manville - Trama Fantasma
Laurie Metcalf - Lady Bird
Octavia Spencer - A Forma da Água

Melhor Ator Coadjuvante
William DaFoe - Projeto Flórida
Woody Harrelson - Três Anúncios Para um Crime
Richard Jenkins - A Forma da Água
Christopher Plummer - Todo o Dinheiro do Mundo
Sam Rockwell - Três Anúncios Para um Crime

Melhor Animação
O Poderoso Chefinho
The Breadwinner
Viva: A Vida É uma Festa
O Touro Ferdinando
Com Amor, Van Gogh

Melhor Documentário
Abacus: Pequeno o Bastante para Condenar
Visages, Villages
Icarus
Últimos Homens em Aleppo
Strong Island

Melhor Roteiro Adaptado
James Ivory - Me Chame Pelo Seu Nome
Scott Neustadter & Michael H. Weber - O Artista do Desastre
Scott Frank, James Mangold & Michael Green - Logan
Aaron Sorkin - A Grande Jogada
Virgil Williams - Mudbound

Melhor Roteiro Original
Emily V. Gordon & Kumail Nanjiani - Doentes de Amor
Jordan Peele - Corra!
Greta Gerwig - Lady Bird
Guillermo del Toro & Vanessa Taylor - A Forma da Água
Martin McDonagh - Três Anúncios Para um Crime

Melhor Cinematografia
Roger A. Deakins - Blade Runner 2049
Bruno Delbonnel - O Destino de Uma Nação
Hoyte van Hoytema - Dunkirk
Rachel Morrison - Mudbound
Dan Laustsen - A Forma da Água

Melhor Figurino
Jacqueline Durran - A Bela e a Fera
Jacqueline Durran - O Destino de Uma Nação
Mark Bridges - Trama Fantasma
Luis Sequeira - A Forma da Água
Consolata Boyle - Victoria e Abdul

Melhor Montagem
Em Ritmo de Fuga
Dunkirk
A Forma da Água
Eu, Tonya
Três Anúncios Para um Crime

Melhor Cabelo e Maquiagem
O Destino de Uma Nação
Victoria & Abdul
Extraordinário

Melhor Design de Produção
A Bela e A Fera
Blade Runner 2046
O Destino de Uma Nação
Dunkrik
A Forma da Água

Melhor Edição de Som
Em Ritmo de Fuga
Blade Runner 2049
Dunkirk
A Forma da Água
Star Wars: Os Últimos Jedi

Melhor Mixagem de Som
Em Ritmo de Fuga
Blade Runner
Dunkirk
A Forma da Água
Star Wars: Os Últimos Jedi

Melhores Efeitos Visuais
Blade Runner 2049
Guardiões da Galáxia Vol. 2
Kong: A Ilha da Caveira
Star Wars: Os Últimos Jedi
Planeta dos Macacos: A Guerra

Melhor Curta-Metragem de Animação
Dear Basketball
Garden Party
Lou
Negative Space
Revolting Rhymes

Melhor Documentário Curta-Metragem
Edith+Eddie
Heaven Is a Traffic Jam on The 405
Heroin(e)
Knife Skills
Traffic Stop

Melhor Curta-Metragem
DeKalb Elementary
The Eleven O'Clock
My Nephew Emmett
The Silent Child
Watu Wote / All of Us

Melhor Trilha Sonora
Hans Zimmer - Dunkirk
Johnny Greenwood - Phantom Thread
Alexandre Desplat - A Forma da Água
John Williams - Star Wars: Os Últimos Jedi
Carter Burwell - Três Anúncios Para um Crime

Melhor Canção Original
Mary J. Blige, Raphael Saadiq & Taura Stinson: "Mighty River" - Mudbound
Sufjan Stevens: "Mystery of Love" - Me Chame Pelo Seu Nome
Kristen Anderson Lopez & Robert Lopez: "Remember Me" - Viva: A Vida É Uma Festa
Diane Warren & Lonnie R. Lynn: "Stand Up for Something" - Marshall
Benj Pasek & Justin Paul: "This Is Me" - O Rei do Show


Melhor Filme Estrangeiro
Uma Mulher Fantástica - Chile
O Insulto - Líbano
Sem Amor - Rússia
Corpo e Alma - Húngria
The Square: A Arte da Discórdia - Suécia

E aí, o que achou dos ganhadores?

Tomb Raider - Uma Familiar Reinvenção

$
0
0
A franquia Tomb Raider teve início em 1996, no universo dos videogames, colocando os jogadores na pele da heroína Lara Croft. O sucesso foi tanto, que em poucos anos, em meados dos anos 2000, a franquia se expandiu para as telas grandes, lançando dois filmes estrelados por Angelina Jolie como a arqueóloga aventureira. Em 2013, Tomb Raider antes se reinventou na sua própria mídia de origem, trazendo sua já datada protagonista para a nova geração de consoles.

A nova versão cinematográfica, estrelando a atriz sueca vencedora do Oscar Alicia Vikander no papel de Lara Croft, deixa de lado a caracterização hipersexualizada e invulnerável da versão de Jolie. A nova adaptação, mais realista e "sombria", conta com uma Lara millennial de 21 anos, orgulhosa e imprudente. Assombrada pelo misterioso desaparecimento de seu pai Richard (Dominic West) sete anos antes, Lara insiste em ganhar a vida sozinha apesar de ter acesso a uma enorme herança, pois aceitá-la significaria enterrar de vez o seu pai e assumir a liderança da empresa da família, a Croft Holdings.

Tudo muda quando Lara descobre a verdade sobre o pai e o motivo do seu desaparecimento - a busca pelo túmulo de Himiko, uma lendária rainha pirata, cujos poderes sobrenaturais também são do interesse da misteriosa organização Trindade. Lara então parte em uma busca pela misteriosa ilha, com a esperança de aprender o que realmente aconteceu com seu pai. Após uma sofrida jornada, com a ajuda de Lu Ren (Daniel Wu), o filho do capitão do barco que levou Richard à ilha anos atrás, Lara consegue chegar até a ilha, onde encontra Matthias Vogel (Walton Goggins), um perturbado e cruel arqueólogo à serviço da Trindade.

Após uma protocolar, mas carismática apresentação da protagonista - graças à Vikander - o filme perde força, especialmente ao desperdiçar um bom elenco com personagens unidimensionais e errar o tom no drama familiar, administrado de forma pouco inspirada por uma série de flashbacks e interações que soam piegas e parecem sempre ficar no caminho de uma história mais interessante. O fato de ser uma "história de origem" torna o filme refém de uma série de convenções desse tipo de narrativa, ainda que em diversos momentos abra mão de desenvolver melhor os personagens na expectativa de fazê-lo em possíveis sequências.

O filme é claramente guiado pela ação, e quando esta favorece o trabalho de Vikander (evidentemente entregue ao papel) e se relaciona diretamente com a fisicalidade e superação de Lara na história, funciona bem, aliada à uma montagem certeira e boas coreografias. Porém, quando entram em cena os grandes cenários, a ação se torna genérica e se perde em meio à artificialidade do CGI, dando a impressão de ser um videogame que você assiste sem poder jogar. Uma das grandes sequências do filme, inclusive, é retirada diretamente do jogo de 2013. Um dos pontos altos do filme é a trilha de Tom Holkenborg (mais conhecido como Junkie XL), que consegue manter a atmosfera emocionante e épica, mesmo quando não é acompanhada pelos demais departamentos estéticos.

Tomb Raider provavelmente não será visto como o filme que finalmente quebrou a "maldição" dos filmes derivados de videogames, mas mostra que existe um caminho, ainda que ele mesmo se perca às vezes. O que redime é que o capitalismo flagrante de tantas outras adaptações, aqui é atenuado pelas intenções do filme, mais alinhado com as sensibilidades e demandas do público contemporâneo comum - a própria escolha de Vikander para interpretar uma versão mais "feminista" da personagem, é um sinal de tempos melhores, e, esperamos, filmes melhores.

Barry Lyndon - Uma Tragédia Artisticamente Negligenciada e Redescoberta

$
0
0
Quando o assunto é a filmografia de Stanley Kubrick, é normal que 2001: Uma Odisseia no Espaço e O Iluminado sejam os primeiros filmes lembrados em qualquer conversa. Embora seja um drama histórico recheado de intrigas entre a alta sociedade, batalhas marcantes, paixões, Barry Lyndon não é bem o tipo de filme que faz sucesso com o público, pois difere bastante de outros filmes do gênero – mas ainda assim, ganhou alguma consideração ao longo do tempo, assim como aconteceu com outros filmes do diretor. Para início de conversa, o protagonista que dá nomeia a obra não é nada convencional: um homem aproveitador, briguento, ambicioso e sobretudo, inconsequente que começa a entender que a única maneira de se obter os objetos de seu desejo em vida é por meio do poder e status social.

Aberto por um duelo de armas onde o pai de Redmond Barry (Ryan O’Neal) acaba morto, o filme já dá as cartas do que há de vir nas próximas três horas. Sua narrativa se divide em duas partes: a ascensão (que conta como Redmond se tornou Barry Lyndon) e queda (em uma sucessão de infortúnios que vieram a ocorrer após seu casamento) de um jovem oportunista, que após perder o amor de sua vida, se vê obrigado a abandonar sua casa na Irlanda e integrar o exército na Guerra dos Sete Anos. Ao mesmo passo em que Redmond ascende socialmente e se estabiliza numa sociedade de nobres em função de um casamento, ele também faz constantes transições entre figuras paternas que o acolhem. Enquanto no papel de pai, falha drasticamente quando não consegue conquistar o afeto de Bullingdon, primogênito de sua esposa, e especialmente na tragédia que ocorre com Bryan, seu filho com Lady Lyndon.



São precisas como as pinceladas dos mestres renascentistas as rimas que Kubrick brilhantemente utiliza para resgatar elementos da escalada de Barry que logo culminarão na mais fatal infelicidade. Como é de conhecimento geral, o filme também ganhou alguma notoriedade por capturar tomadas interiores apenas com a luz das velas usadas pela cenografia. As conexões são feitas de forma abrupta, bem diretas até, mas que exigem também a atenção do espectador atento e operante durante todo o longa-metragem. Outra ferramenta usada de forma magistral para exclamar o contraste entre as duas partes da história é o zoom. Na primeira metade do filme, eles acontecem quase que majoritariamente em campo livre, saindo de planos fechados e médios para abertos, destacando as chances e oportunidades que o protagonista pode tirar de cada situação. Enquanto na parte final, a medida em que Barry é golpeado, eles também são usados, só que de forma mais amedrontadora, sempre endossando o declínio e a solidão

A obscuridade de sutis detalhes é outro ponto contumaz entre os filmes de Kubrick, 2001 completa 50 anos em 2018, O Iluminado já tem quase 40 e são filmes ainda esmiuçados incessantemente pelo público, a procura de detalhes e pistas que possam ter sido deixadas pelo diretor – um notável perfeccionista. A mesma riqueza de detalhes está também presente em Barry Lyndon, que costuma ser celebrado “apenas” por seus belíssimos fotogramas que parecem pintados à mão por um artista maneirista.



Apresentando um olhar diferenciado sobre o mundo e o homem, ainda é um retrato do século XVIII, o mais fiel que seja. Por ser tão certeiro nos traços que faz da burguesia e pirâmide de poder daquela época como um todo, ainda se sustenta principalmente como uma obra que tem em seu cerne o estudo da condição humana perante a sedução, obtenção e uso do poder– que fica claro no epílogo do filme que traz o seguinte letreiro:

“Foi no Reino de George III que os personagens apresentados viveram e brigaram; Bons ou maus, bonitos ou feios, ricos ou pobres – eles são todos iguais agora.”

Kubrick se apossa do romance de William Thackeray para explanar sua visão do homem e da aristocracia, enquanto a narração de Michael Hordern antecipa cada momento sem tirar o brilho da história. Sem alívios cômicos ou romances demasiadamente empáticos, Barry Lyndon é, entre outras coisas, um filme difícil justamente por tratar de um protagonista que embarca numa cruzada em busca da felicidade e não consegue de maneira alguma alcança-la. Cada pequena conquista de Redmond Barry lhe foge as mãos voltando como maldições. Mesmo que sua vida não tivera sido instável em qualquer momento, os contornos trágicos e pontuados pela morte passam a prossegui-lo: a morte de seu pai, do Capitão Grogan e de seu filho Bryan.


É reconfortante saber que com o tempo o filme vem sendo agraciado e reconhecido como a grande obra que é. Como um dos trabalhos mais ousados de um diretor que foi ao espaço quando a ficção científica não era vista com bons olhos no cinema e tratou com a austeridade necessária todos os defeitos e desonras do homem, mesmo sofrendo retaliações em decorrência disso. Trata-se de uma obra de arte tão peculiar que mesmo aclamada pela perfeição estética e pelo pioneirismo técnico, ainda precisou vencer o tempo e críticas para se provar como vanguarda que, enquanto cinema, é uma peça muito além dos devaneios caprichosos de seu maestro.




O Erotismo no Cinema: dos Primórdios aos Filmes Atuais

$
0
0
Em 1967, estreava na França A Bela da Tarde, do espanhol Luis Buñuel, filme que seria criticado pelo público mundial e visto como a maior polêmica de sua carreira. A história tem como protagonista a rica dona de casa Séverine (Catherine Deneuve) que, embora casada, se mostra insatisfeita com sua realidade e procura um bordel para passar as tardes trabalhando, realizando suas fantasias eróticas e as de seus clientes.

Não é difícil imaginar o quanto o filme foi linchado. Em plena década de 60, Buñuel lançava na França - e nos países em que o filme não fora censurado – uma parábola sexual sobre desejo, repressão e sexualidade feminina. As recriminações eram em torno da ousadia do tema, das cenas consideradas explícitas para a época e até sobre a escolha da atriz, que refletia uma imagem de puritanismo e foi colocada como uma personagem da alta sociedade que se prostituía.

Hoje, a obra é considerada por muitos como o maior representante do cinema erótico. Distinguiremos aqui o erotismo da pornografia: o cinema erótico não apresenta de forma compulsiva ou obrigatória o ato sexual e a nudez, mesmo girando em torno do sexo (romantizado ou não). O erotismo apresenta uma narrativa, e a consagração sexual do estilo cinematográfico pode ser explícita ou até mesmo apenas sugestiva. Já a pornografia, além de explícita, trata o sexo de maneira obrigatória, as imagens tendem a priorizar o olhar masculino e a instituição de um padrão de beleza.

The Kiss (1896) foi estrelado por May Irwin e John C Rice.
Por muito tempo, a única manifestação de conotação sexual no cinema era o beijo. Mesmo que representado de forma breve e superficial, a demonstração da intimidade já era alvo de desagrado e duras críticas. O primeiro beijo da história do cinema foi apresentado no curta metragem de Thomas Edison The Kiss, em 1896. Com duração de mais ou menos 22 segundos, o filme tem o plano fechado e um clima de vergonha e romantismo entre os atores (você pode conferir o curta aqui https://www.youtube.com/watch?v=IUyTcpvTPu0). Por mais que hoje pareça uma cena artística e experimental, o filme foi rejeitado pela sociedade da época, levando até um jornal de Nova York a descrever a cena como “absolutamente repugnante”.

Marlene Dietrich de fraque e cartola no filme Marrocos (1930).
A atriz também protagonizou outras produções polêmicas como O Expresso de Xangai.
A representação do sexo na tela e sua repercussão sempre foram bons exemplos para retratar como a sociedade transmitia e consolidava todo tabu, vergonha e a maneira que era julgada a sexualidade. A atriz Marlene Dietrich, famosa femme fatale, ficou conhecida por atuar em filmes que transgrediam a repressão sexual de seu tempo. No filme Marrocos, de 1930 - dirigido por Josef von Sternberg – em uma das cenas, a atriz tem seu figurino masculinizado e dá um breve beijo em outra mulher. Apesar de Marrocos não ter sido o primeiro filme a mostrar um beijo homossexual, o longa causou polêmica pela exuberante sensualidade de Dietrich, que atrai olhares masculinos e femininos. 

De fato, o primeiro beijo homossexual do cinema aconteceu em 1927, no filme Asas. O longa conta a história de dois amigos, pilotos na Primeira Guerra Mundial, que se tornam rivais ao disputarem o amor da mesma mulher. Asas foi a primeira obra a ganhar o prêmio de Melhor Filme no Oscar, o que não teria gerado controvérsia e debate se o filme não mostrasse um beijo entre dois homens.

Hedy Lamarr tinha apenas 19 anos quando viveu Eva no filme Êxtase (1933).
O primeiro nu frontal do cinema do circuito comercial foi da atriz Hedy Lamarr no filme Êxtase, em 1933, gravado na antiga Tchecoslováquia. Lamarr interpreta Eva, uma mulher que resolve deixar o marido bem mais velho que ela e retorna para a casa de seu pai. Um dia, banhando-se no lago, ela conhece um jovem, com o qual descobre o desejo e o amor. Os enquadramentos contribuíam para a sexualização da mulher, já que não exibem o masculino e nem sua sensualidade. Por muitos anos, a película foi proibida em diversos países.

A indignação popular havia piorado devido aos filmes que começaram a apresentar narrativas e cenas mais irreverentes e liberais, muitos atores estavam envolvidos em escândalos com droga, adultério e excesso de festas e bebidas e, então, se tornou crescente a especulação sobre o pedido do público por uma censura no cinema.

Para agravar, Hollywood já era difamada como a “cidade do pecado”, a péssima notoriedade que permeava esse universo foi acentuada quando manchetes sensacionalistas envolvendo estrelas do cinema foram divulgadas. A reputação dos artistas se transformou em algo mais criticado e avaliado pelo público e por religiosos fanáticos. Preocupados com sua reputação e com a pressão popular, os produtores cinematográficos decidem criar em 1922 uma entidade (a Motion Picture Association of America, ou MPAA), encarregada de velar pela moral no cinema. Com o intuito de recuperar seu bom nome, os produtores contratam Will Hays, um advogado republicano, de fortes crenças religiosas, para liderar essa associação.

Entretanto, a censura não era tão radical, muitos filmes passavam despercebidos ou nem chegavam a ser avaliados já que a supervisão ainda era fraca. Com o surgimento do cinema sonoro em 1927, as produções ficaram mais ousadas. As trilhas sonoras ajudavam a evidenciar o clima sensual, os ruídos dos beijos em cena e diálogos mais explícitos sobre relacionamento fizeram com que a desaprovação de grande parte do público crescesse. Logo, Hays recebe um maior apoio social e consegue decretar, vigorosamente, o famoso código que leva seu nome.

Cena do filme A Ceia dos Acusados, de 1934, já mostrava o casal em camas separadas, conforme prescrito pelo Código Hays.
A consolidação das chamadas regras puritanas foi instaurada com firmeza em 1934. É por isso que alguns filmes da “era pré-Hays” ainda violavam determinados princípios morais. A partir desse ano, foi exigido que todos os filmes lançados passassem por uma aprovação para obter um certificado definindo se poderiam ou não ser estreados. Eles tinham poder desde alterar roteiro e modificar a edição do filme como até mesmo vetar produções. 

Além disso, foi criada uma lista de códigos divididos em “Dont’s” (no qual o uso era absolutamente proibido) e “Be carefuls” (seja cuidadoso; poderia conter na narrativa de forma comedida ou com algum objetivo). Eram condenados filmes que tivessem alusão à homossexualidade ou relação sexual, aparição de casais inter-raciais, nudez, tráfico de droga, sátira da alta sociedade, palavras de cunho religioso em vão e expressões vulgares. Era impedido mostrar casais – mesmo que casados – dormindo na mesma cama, as cenas de beijo deveriam ter apenas 3 segundos. Temas como prostituição e aborto também eram proibidos.

Já na lista para se ter cuidado, eles pediam cautela ao retratar o adultério, e caso fosse mostrado, deveria ser de forma negativa. Uso de arma, roubo, assassinato ou qualquer outro tipo de violência também eram ultrajados, além do uso da bandeira dos Estados Unidos, religião e história de outros países, palavras de baixo calão, entre outras restrições. Era recomendado que os roteiristas e diretores exaltassem os valores familiares, religiosos e patrióticos. O objetivo era transformar os tais galãs de Hollywood em modelo de virtude e exemplo de moral. 

Cary Grant e Ingrid Bergman, casal protagonista de Interlúdio (1946).
Para não terem suas obras banidas, os cineastas usavam sua criatividade para driblar o sistema, como foi o caso de Hitchcock em Interlúdio (1946). O diretor criou, em cima da regra dos 3 segundos, a cena que hoje é considerada como o beijo mais demorado do cinema, com aproximadamente 2 minutos e meio de duração: os atores interrompem os beijos e depois voltam a se beijar por mais três segundos, e assim fazem consecutivamente. Portanto, o filme não poderia ser vetado.

Grandes outros exemplos que foram afetados pelo código conservador, foram os clássicos Quanto Mais Quente Melhor e Casablanca. O primeiro, lançado em 1959, teve seu roteiro modificado, piadas alteradas e cortes na duração de algumas cenas da Marilyn Monroe. O segundo filme precisou remodelar o seu final conforme as exigências, era desprezível um final feliz para um casal adúltero, o que acabou, de qualquer forma, por gerar um dos desfechos mais famosos da história do cinema.

Jane Fonda era a agente do espaço Barbarella, o filme foi baseado nos livros adultos de Jean-Claude Forest.
Na década de 1960 para frente, as leis de censura já eram mais relaxadas, a aplicação do código não se sustentava mais. Entretanto, foi só oito anos depois que o Código foi realmente abandonado e que a MPAA aderiu ao sistema de classificação de faixa etária, o qual rege até hoje.

Com o fim da censura, os filmes começaram a escandalizar, era época da revolução sexual, lutava-se por uma libertação dos paradigmas impostos sobre o corpo, pelo fim do sistema patriarcal e por uma maior liberdade sexual. Seguindo essas ideias, o cinema refletiu a sociedade americana daquele momento e correspondeu às suas expectativas. Porém, mesmo sendo menor, a parte puritana e tradicionalista do público ainda se mantinha fervorosa nas críticas.

Foi lançado em 1968 o filme Barbarella, estrelado por Jane Fonda. Considerado uma comédia erótica, Fonda é uma astronauta enviada da Terra para o universo, ela precisa capturar o perverso Durand Durand, que criou uma máquina de sexo destinada a matar de prazer os que são submetidos a ela, e assim acabar com a paz na galáxia. Há constantes trocas de roupas transparentes e insinuantes da personagem e cenas com acessórios sexuais, o que contribuiu para tornar Barbarella uma sex symbol.

Em Primeira Noite de um Homem (1967), Dustin Hoffman personificou Benjamin, jovem recém formado na faculdade que tem suas primeiras experiências sexuais com uma amiga de seus pais.
Havia uma nova liberdade disponível para os cineastas que almejavam tratar de temas eróticos ou inseri-los em suas histórias. Mulheres nuas, drogas e sexo voltaram a ativa para violar os tabus. Diversos filmes com conotação erótica tornaram-se indispensáveis para a história do cinema, tentando sempre tratar esses temas com naturalidade. As produções eram audaciosas, filmes como O Desprezo (1963, de Jean-Luc Godard), A Primeira Noite de um Homem (1967, de Mike Nichols) que inclusive recebeu sete indicações ao Oscar, O Último Tango em Paris (1972, de Bernardo Bertulucci), O Império dos Sentidos (1976, de Nagisa Oshima), Veludo Azul (1986, de David Lynch), Ata-me (1989, de Pedro Almodóvar), entre outros, consagraram o erotismo e a ousadia sexual no cinema, caminhando entre a arte erótica e a pornografia, o explícito e o implícito.

Quando questionadas sobre as filmagens eróticas em set, as equipes de produção desse gênero alegavam usar recursos técnicos nas cenas de sexo, sem pressão ou coerção em cima dos atores. Demorou um tempo, mas os questionamentos sobre os danos físicos e morais que atrizes e atores sofreram em cena começou a ser revelado e debatido, alertando ao público, inclusive, acerca da forma que o papel da mulher foi representado em algumas obras e os absurdos que viveram nas gravações. 

Análises mais recentes sobre as obras confirmaram a objetificação da mulher na maior parte dos filmes; não há sempre plano detalhe do corpo feminino, mas este entra em foco mais vezes que o masculino. As câmeras não acompanham o homem se despindo, encurtam insinuações e priorizam a mulher nua e suas expressões na câmera. As análises também serviram para identificar características da construção das personagens femininas, que em sua maioria são sensuais, e tem como maior objetivo agradar ou conquistar algum personagem masculino, sem grandes propósitos para a trama.

Michael Pitt, Eva Green e Louis Garrel no filme Os Sonhadores (2003).
A demanda social foi mudando, e o cinema não ficou para trás: com o tempo, os enquadramentos tendiam a ser mais igualitários, o interesse do público feminino em filmes eróticos crescia e novas produções como E Sua Mãe Também (2001, de Alfonso Cuarón), O Sonhadores (2003, de Bernardo Bertolucci) e Ninfomaníaca (2013, de Lars von Trier) voltaram a interessar os espectadores que lidam com o gênero com mais atenção e consciência, já que os filmes também apresentam narrativas que tratam o sexo como complemento necessário para o público entender o conceito da história e compreender o caráter dos personagens. 

O cinema, portanto, torna-se, digamos, mais real, mostrando fases da vida, o amadurecimento, experiências, dúvidas, descobertas e questionamentos que cercam o ser humano. Sem reservas e constrangimentos. O sucesso de Azul é a Cor Mais Quente (2013, de Abdellatif Kechiche), e sua exibição em diversos festivais, comprova como o erotismo tem se tornado um pouco mais habitual aos olhos dos espectadores, analisado por diferentes perspectivas.

Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux em Azul é a Cor Mais Quente.
Em entrevistas posteriores ao lançamento do filme, contaram se sentir desrespeitadas pelo diretor em determinadas cenas.
No entanto, existem ainda restrições e julgamentos a respeito do estilo cinematográfico, como por exemplo, a polêmica decisão da Sonopress em 2013, principal empresa que faz autoração (processo de criação do menu do DVD, legenda, navegação de acesso ao conteúdo extra, interatividade, etc) de Blu-rays no Brasil, que se recusou a lançar o filme nesse formato.

Dificultar a divulgação de uma obra ou negar a produção da mesma em variados formatos é um dos tipos de censura que a arte e o público ainda estão submetidos. Contudo, a empresa justificou dizendo que foi impedida por conta de seu contrato com outras empresas. Já a SONY DADC também se recusou, por considerar o filme inadequado. 

O público de várias gerações foi privado de assistir à filmes que poderiam existir hoje, cenas que foram restringidas ou nem chegaram a ser gravadas. Histórias que deixaram de ser contadas e apresentadas, toda a arte que foi repreendida por uma desaprovação moral é um dano irreparável para a trajetória do cinema. 

Atualmente, ideias livres de amarras tendem a falar mais alto, assim sendo, filmes com temática íntima continuarão sendo produzidos, e cada vez mais serão tratados com naturalidade em suas narrativas. As produções cinematográficas nem sempre são audazes como imaginamos, muitas vezes surgem apenas como reflexo do momento social em que vivemos, e enquanto caminharmos coletivamente sentido a abordar com normalidade temas como sexo, o cinema, no seu sentido mais artístico e significativo, caminhará junto.

Dossiê "IMO", de Bruna Schelb Correa

$
0
0
"Imo" teve sua estréia mundial na edição de 2018 da Mostra de Cinema de Tiradentes. Através de uma narrativa experimental, de contornos surrealistas, o longa-metragem de Bruna Schelb Correa toca em questões de gênero e carrega consigo uma mensagem feminista de libertação de corpos, bem como um demonstrativo abstrato das opressões diárias que sofrem as mulheres.

Sinopse: Três mulheres, em meio a ações cotidianas, são transportadas a um mundo onírico regido por suas memórias. Memória é lugar de voltar, ainda que doa.

Confira neste dossiê algumas das críticas tecidas sobre o filme em portais especializados de Cinema.

MUBI

Will latin-american women filmmakers finally get their due
Por Ela Bittencourt

“Perhaps the most promising sign this year in Tiradentes was Imo, a film by young filmmaker Bruna Schelb Corrêa, which played in the main competition. Corrêa’s film isn’t so much a narrative with clear character arcs or story denouement as an episodic compilation. In three distinct stories, we follow women in seemingly ordinary surroundings that quickly turn bizarre.”
Texto completo: clique aqui.


Revista Cinética

Novos engajamentos
Por: Raul Arthuso

“Mas tão logo esta espécie de prólogo alargado apresentando as personagens deixa a tela, Imo revela um gesto interessante de busca de caminhos próprios. O filme é divido em três histórias, acompanhando cada uma das personagens apresentadas no começo, como esquetes surrealistas em torno do imaginário da mulher reprimida pelos códigos sociais”
Texto completo: clique aqui.


Moventes

Além do vísivel: “O olho e o espírito” e “Imo”
Por Laís Ferreira

“Quando o visível é deixado para trás, outra experiência do espaço e da vida se faz possível. Em Imo, o espaço doméstico como aquele em que aparecem elementos estranhos também é aquele em que uma mulher nua interage anda pela casa, senta, fuma um cigarro. Essa segunda personagem é colocada à mesa, junto a frutas e outros alimentos, enquanto homens ali se sentam. A forma como a luz e a direção de arte são utilizadas aproxima-as às obras de pintura barroca.”
Texto completo: clique aqui.


Almanaque Virtual

Degustação ousada
Por Filippo Pitanga

Agora temos um trabalho de experimentação visual e estética 100% brasileiro e mineiro, com representatividade de gênero com uma diretora mulher guiando esta crítica. (...) Um filme ousado e não facilmente digerível por intenção consciente, mas de satisfação radicalmente saborosa e reivindicatória às mulheres.
Texto completo: clique aqui.


AdoroCinema

Códigos femininos
Por Francisco Russo

“Provocador e instigante, tanto pelos rumos da história como pela forma como é retratada, IMO apresenta ao espectador um código próprio que, por si só, já merece atenção. O som tem grande importância na condução da narrativa, não só pela ausência de diálogos mas também para estabelecer um ritmo em cada história.”
Texto completo: clique aqui.


Ficha técnica:
Direção, Roteiro e Produção Executiva: Bruna Schelb Correa
Direção de Produção: Renata Schettino
Montagem e Fotografia: Luis Bocchino
Direção de Arte: Ana Luiza Fernandes
Mixagem: Chico Almeida
Som Direto: Michel Sagaz
Edição de Som: Luis Bocchino e Bruna Schelb
Figurino: Isadora Martins
Empresa Produtora: Cansada Filmes
Co-Produção: Luz Del Fuego e Desapego Cinema
Elenco: Giovanna Tintori, Mc Xuxu e Helena Frade

Jogador Nº 1 - O retorno da juventude de Spielberg

$
0
0
Jogador Nº 1é o retorno do aclamado Steven Spielberg ao nicho cinematográfico que ele mesmo ajudou a criar - os blockbusters direcionados ao público infanto-juvenil, desta vez adaptando o livro homônimo de Ernest Cline. A obra se passa em um distópico 2045 e acompanha Wade Watts (Ty Sheridan, de X-Men: Dias de um Futuro Esquecido), um arquetípico protagonista pobre e órfão de 17 anos que encontra uma forma de escapismo no mundo virtual online OASIS, onde compete com outros milhões de jogadores por itens e moedas. Sua missão é buscar as três pistas que o falecido criador do sistema, James Halliday (Mark Rylance), deixou dentro do jogo, prometendo ao vencedor o controle sobre o OASIS e sua empresa multimilionária, algo que desperta o interesse do inescrupuloso magnata Nolan Sorrento (Ben Mendelsohn).

O grande trunfo do filme é apostar na  identificação do público com o universo do OASIS, que é povoado por avatares que representam aquilo que cada jogador mais almeja ser ou mais ama lembrar. É este vínculo com a realidade que faz com que as espetaculares cenas de ação, repletas de CGI, sejam tão divertidas e envolventes, nostalgizando um estilo de fantasia visual rica e narrativa mais simples (e talvez até clichê) que se perderam após a década de 90, onde o lúdico e inocente perdeu espaço para histórias artificiais, enlatadas e praticamente indistinguíveis.

Spielberg está claramente à vontade nesse universo, já que não somente entendes suas infindáveis referências (Indiana JonesDe Volta para o Futuro, O Iluminado, O Gigante de Ferro, entre tantos outras que recompensam os fãs de easter eggs), como ajudou a criá-las direta ou indiretamente ao transformar a cultura pop há quatro décadas. O diretor se entrega à nostalgia da mesma forma que seus personagens e homenageia os então jovens diretores surgidos nos anos 70, que revolucionaram a indústria cinematográfica americana, invertendo a dinâmica de poder criativo com os grandes produtores e deram espaço (e verba) para a fantasia e ficção científica, criando imagens que até então eram registradas apenas nas páginas das histórias em quadrinhos ou em literaturas como as homenageadas por Cline.

Por conta deste bem sucedido casamento entre o diretor e a obra adaptada, roteirizada pelo veterano Zak Penn e pelo próprio Ernest Cline (sem esquecer a trilha sonora de Alan Silvestri, figura importantíssima para vários blockbusters oitentistas), Jogador Nº 1 se sobressai em relação à outros tantos blockbusters recentes, a maioria vítimas de uma já familiar e desinspirada colagem de referências pop nostálgicas. Aqui, a nostalgia é uma parte inalienável da trama, e serve não só como mero entretenimento, mas também cria uma reflexão sobre a sociedade que somos hoje e podemos potencialmente nos tornar - hiper conectados, mas distantes de uma necessária humanidade.


Jogador Nº 1 prova que quem é rei nunca perde a majestade, trazendo um Spielberg atento aos hábitos e referências desta nova geração ao fundir magistralmente passado, presente, futuro, ficção científica, fantasia e nostalgia com um cinema de entretenimento da melhor qualidade.

Os filmes que você já mentiu que viu

$
0
0
Quero aproveitar que as confissões inofensivas ainda são possíveis. Não duvido que com a disseminação de notícias falsas, a saturação da variante mentira x verdade vai render um colapso na forma como nos relacionamos - algo a ser abordado em alguma distopia no cinema, coming soon. Acredito com veemência na teoria de que as pessoas mais verdadeiras são aquelas que assumem quando mentiram. Sei que serei perdoado, além do que imagino com isso ter causado estrago a ninguém. Derrida dizia que a mentira não existe, existe um ato intencional que envolve o mentir; é um querer dizer e então dizer, a mentira seria uma vontade que parasita a verdade. Pois bem, minto até hoje que vi ‘A Lista de Schindler’. A mentira gosta de recompensas, então forjamos coincidências. Nas rodinhas, no momento de cruzar afinidades, a gente coloca filmes em pauta em busca de afinidade instantânea, rola então aquela pergunta-empolgação: você já viu esse filme? PRESSÃO, PRESSÃO, PALPITAÇÃO... (timidez) Já! 

(Mentira)

Armacord, Festim Ddiabólico, Blade Runner, Corra Lola Corra, Senhor dos Anéis, HellBoy, Harry Potter, Casablanca. Ah, os clássicos, vi todos, não pera. Na linha acima há uma lista reduzida dos filmes que eu possivelmente disse a alguém já ter visto, não lembro bem se disse, mas para dar força retórica a um texto, as vezes o escritor precisa exagerar na culpa (nesse caso, vale até mentir que mentiu). Aliás, quero piorar as coisas: vi apenas meia hora de Cidadão Kane. 

Por nos sentirmos insuficientes, para sermos reconhecidos como indispensáveis, para ganharmos reforço positivo (likes), tendemos a cultivar sofismas de inclusão. Nessa segunda metade dos anos 10, com o crescimento das interações editadas, das plataformas de streaming e aplicativos de pegação, a necessidade de assunto e de parecermos mais interessantezinhos gerou uma fruição comum quando se está conhecendo alguém: as marcações de identidade. Eu gosto de sorvete 2 bolas, bicicleta e votei naquele senador progressista. Ele gosta de açaí, dirige automóvel e... match: também votou na mesma legenda que eu eleição passada. Pronto, alguém abasteceu uma lacuna das minhas aflições sinápticas. 

(Digressão: eu detesto quando alguém me responde que é eclético. Prefiro quem solta referências, se compromete, assume gostar de Tarantino e de filme pipoca. Pior que isso, é dizer a alguém que você gosta de Netflix como se gostasse de Pasolini, quando isso quer apenas dizer que ambos pagam uma mensalidade para ver milhares de filmes no conforto do lar e mais nada. Mas sim, tem quem ache isso uma coincidência laranja-metade. A verdade é que eu quase nunca vi alguém dizer que não gosta de cinema ou de viajar, nunca fomos tão genéricos e... OK. 

Lembrando aqui das tantas vezes que alguém me pergunta se lembro de alguma parte de um filme que eu de fato vi, e eu digo que lembro, sem na verdade lembrar. Não chamo isso de mentira, chamo de abreviação. Você simplesmente confirma que lembra dessa parte porque se disser que não lembra corre o risco do interlocutor desconfiar que você não viu aquele filme. Mentir para salvar outra verdade. Economia retórica

Ainda no terreno da farsa 'café com leite', quero exemplificar outras distorções Caso Um, Caso Dois e Caso Três. 

Caso Um
Boto aqui o falso ambientado. Aquele que forja uma intimidade com a obra de um diretor quando na verdade viu apenas dois filmes dele. Na última Mostra de São Paulo fui apresentado à Agnès Varda através da joia ‘Visages Village'. Me senti tão íntimo, que após a sessão falava aos outros usando apenas ‘acabei de ver o novo da Varda’ (percebem?). 

Caso Dois
Dia desses falei que não havia assistido um determinado filme numa caixa de comentários alheia e veio aquela cobrança de quinta série de um desconhecido: nossa, não acredito que você não viu esse filme. Quer dizer, eu deveria fingir que vi um filme pra não pegar mal, ou para não perder minha ‘credencial’ cinéfila. É assim? Claro que esse tipo de cobrança pode vir de um jeito carinhoso - aliás, se você ainda não viu ‘Mary & Max’, esta perdendo apenas a melhor animação já feita para o cinema, sinto bastante por você. 

Caso Três
Muitos criam rankings qualitativos com um certo cálculo de adequação, uma espécie de balanceamento artificial, muitas vezes inconsciente. No ano retrasado, enquanto fazia meu ranking de filmes prediletos, vi que entre os 10 primeiros, apenas dois eram dirigidos por mulheres. Rapidamente passou pela minha cabeça trocar um dos filmes dirigidos por homem por algum outro de direção feminina para pagar de inclusivo e então rolou uma auto-censura bastante honesta e oportuna: a quem você quer enganar, Eduardo? Assista a mais filmes dirigidos por mulheres para gostar de mais filmes dirigidos por mulheres. Não trapaceie nessa lista, rapaz. Disse o superego em plena bravata com o ID. 

Como em todo nicho identitário, queremos caber nos consensos e então a gente oculta que não viu todos os clássicos, que não deu tempo, que nem todos têm ̶i̶m̶ó̶v̶e̶i̶s̶ ̶d̶e̶ ̶h̶e̶r̶a̶n̶ç̶a̶ tempo, ou que o cinema-raiz pode não estar em nossas prioridades. Vez em quando, é saudável assumirmos que o nosso eu-lírico gosta de contar vantagens ou filmes a mais. Aliás, se você também já disse que viu ‘O Resgate do Soldado Ryan‘ sem ter visto, me add.

'Um Lugar Silencioso' e o som enquanto entidade primordial

$
0
0
Transformar o recurso sonoro em premissa fundamental na experiência fílmica pode significar uma sinopse dobrando para si um filme inteiro. O som enquanto senhor do arbítrio, entidade psicofísica, formal e semiótica. Esse é um risco assumido pelo longa ‘Um Lugar Silencioso’, dirigido por John Krasinski: obrigar-nos à uma etimologia visual patrocinada pela linguagem ultra-audível embora-quase-afônica. Se o som serve de dispositivo auxiliar para o funcionamento básico de um terror ‘jump scare’, nesse caso específico, ele ergue toda uma atmosfera que se vale e justifica das tragédias que se estabelecem. O som, ou quase-ausência dele, tornam-se indispensáveis no fluxo imersivo, é necessário então um pacto coletivo para que ruídos clandestinos não interrompam o grande trunfo narrativo, vira requisito fundamental a proibição do uso de celulares dentro do cinema, assim como um dado comprometimento por parte da plateia. Não à toa, durante a pré-estreia, os celulares eram colocados dentro de um saco plástico junto de uma confirmação nossa de que ele estaria desligado ou no modo avião. Não à toa, uma rede de cinemas se aproveitou disso e transformou a propaganda anti-ruído do filme em um marketing preventivo humorado. 

(Achei pertinente entrar nesse mérito para evidenciar as concorrências tecnológicas dentro de um mesmo espaço. Pense bem: se a proposta é não usar o celular e alguém burla as regras constantemente, não estamos mais lidando apenas com picaretagem individual, paira um sintoma coletivo e endêmico uma vez que a atenção plena tem se tornado cada vez mais corruptível.)

Eu, por exemplo, me comportei bem, entendi as regras, fiquei ‘vaca amarela’. 1) não faça barulho, check. 2) nunca saia do caminho, check. 3) vermelho significa corra, check. Não é difícil prever, a narrativa promove um passaralho aos desobedientes de plantão: quem burla os mandamentos vai sendo demitido da história. E entrando na história em si, não há muita margem para aprofundamentos humanos, isso exige interpretações convincentes, todos cumprem. Você entende os conflitos a partir de situações triviais ou algum clichê ingrato, como no momento (machista) em que o pai sai com o filho e não deixa a filha ir junto porque ela precisa ajudar a mãe a cuidar da casa. Todavia, há uma teia sendo montada a partir disso para que mais à frente, um evento trágico ganhe substância martirizada e desminta abruptamente a aparente distância entre pai e filha.

É lugar fácil perceber elementos estéticos emprestados ou muito próximos de outras produções: o cenário inóspito composto por milharais de Sinais (2002) ou a aparência do monstro, claramente um primo bastardo da criatura de Stranger Things. Se esses dois ‘deja-vús’ não chegam a justificar um desapontamento, a ressalva fica por conta da casa onde as internas acontecem, mais precisamente pela dicotomia organizacional contraditória. No térreo, tudo é bastante caótico e bagunçado, já no andar de cima, um mundo intacto e infanto-arranjado parece aguardar pela criança que ainda não nasceu. Não sabemos se aquilo é ou não intencional, mas me parece que o grande gap de roteiro está na forma como a estrutura dessa casa facilita de um jeito mal costurado alguns dos acontecimentos, como por exemplo a cena de alagamento. Assim como fica muito evidente o quanto a narrativa trapaceia exageradamente nas coincidências para forçar situações de emergência, algo que soa primário ao espectador vacinado ou ateu das licenças poéticas.

Grosso modo, estamos diante de um filme que vende uma originalidade que não consegue varrer para baixo do tapete a essência clichê. 

Funciona, mas apenas funciona. 
Apenas funciona mas até que diverte.
Apenas assusta mas até que diverte. 
Diverte, mas apenas acaba.

Gaspar Noé e o cinema do desconforto

$
0
0
“Eu quero fazer filmes a partir de sangue, esperma e lágrimas”, revela o personagem Murphy (interpretado por Karl Glusman) em Love, de 2015, última película dirigida pelo polêmico diretor argentino Gaspar Noé. O trecho, claramente autobiográfico, certamente não passa despercebido para qualquer espectador familiarizado com sua obra – não tanto como um guia de auxílio para a interpretação de seus filmes, mas com a simplicidade de um aviso, para tornar-nos conscientes da clareza de suas intenções.

Com uma filmografia dramática reunindo diversas – e muitas vezes longas – cenas de violência explícita (física e psicológica), relações sexuais, nudez e abuso de drogas, como na marcante cena do estupro em Irreversível (2002), a qual chega a durar longos 10 minutos, não é de se estranhar que o diretor seja considerado um dos mais “problemáticos” em atividade, dividindo a crítica e o público entre aqueles que o admiram e aqueles que o repudiam.

Gaspar Noé toma para si a difícil tarefa de mostrar, através de sua arte, exatamente aquilo que não queremos ver e há de mais perverso, egoísta e tóxico em nossa humanidade, individualidade e sociedade, colocando-se lado a lado com nomes como Lars Von Trier (Ninfomaníaca, Melancolia, Anticristo) e Thomas Vinterberg (A Caça, Festa de Família, Submarino), que seguem uma linha semelhante. Aqui não existem personagens heroicos, dotados de virtudes invejáveis, prontos para serem idolatrados e idealizados, transformados em verdadeiros exemplos da sociedade a serem postos em seus devidos lugares sobre o pedestal – ocorre justamente o contrário: com um estilo visceral, porém sutil, os personagens possuem tal complexidade que permite uma sobreposição entre a barbárie e o mundano, com os quais o espectador se identifica e simultaneamente se enoja.

Em entrevista (veja aqui), quando indagado sobre sua opinião sobre os filmes de heróis, Gaspar responde: “Eu posso gostar de filmes de ficção científica, posso gostar de filmes de terror, mas não, o gênero de super-heróis não é meu favorito”. Arrisco afirmar que a filmografia do cineasta pode ser considerada uma verdadeira antítese ao gênero, e contrasta com a produção massiva, atualmente em seu pico, de títulos como os produzidos pela Marvel e DC, que apesar de ganharem cada vez mais complexidade ainda se apoiam em roteiros dicotômicos como o já saturado bem contra o mal ou a justiça contra a injustiça.

Já em seu primeiro longa, Sozinho Contra Todos (1998), a trama é centralizada em um açougueiro que se sente oprimido pela sociedade e o mundo em geral e, como forma de revolta, permite-se aflorar seu lado mais repugnante e desprezível, representado por sua misoginia e violência constante contra as figuras femininas a sua volta. Em Irreversível, nos apresenta Marcus (Vincent Cassel), personagem infantil e impulsivo. Em Love, Murphy revela seu lado egoísta, possessivo e violento em seu relacionamento problemático com Electra (Aomi Muyock). Essas características, contudo, afloram de forma progressiva em meio a situações, pensamentos e sentimentos que são retratados com um nível de realismo talentoso, imergindo totalmente o espectador dentro da narrativa até que esse se esqueça temporariamente de se tratar apenas de um filme.

Vale ressaltar, ainda, que os personagens parecem ser assombrados por seus próprios traços negativos e quase sempre estes resultam em seu fracasso, desgraça ou angústia. Este é um elemento importante de suas narrativas pois permite um distanciamento da interpretação de que o diretor busca fazer apologia a comportamentos nocivos e agressivos, como costuma apontar o público mais sensível ou conservador, indicando, pelo contrário, que busca destacar que eles existem, estão a nossa volta e possuem consequências, tanto para quem os pratica quanto para os personagens ao entorno.

Além dos elementos característicos aos personagens, o diretor também se utiliza recorrentemente de instrumentos narrativos e visuais peculiares, que agem simultaneamente como assinaturas próprias de seu estilo e fatores que causam desconforto, como luzes vibrantes em neon piscando em uma frequência extremamente rápida, aparecendo por vezes em meio a letreiros gigantes que trazem desde mensagens ao longo da película – como ocorre uma porção de vezes em Love – até o próprio título do filme e elenco; cenários pouco iluminados ou excessivamente iluminados, ambientados com paletas de cores chamativas (como na imagem a seguir, de Viagem Alucinante (Enter The Void, 2009), que aliás, conta com uma cena de aproximadamente 5 minutos simulando as alucinações visuais causadas pelo DMT, substância psicodélica popularmente conhecida por ser o princípio ativo da ayahuasca ou santo-daime).

Em Viagem Alucinante, boa parte da película é apresentada em primeira-pessoa ou com a câmera posicionada atrás da nuca do protagonista, quando não em estilo livre, “flutuando” livremente pela cidade – embora sempre acompanhando o ponto de vista do personagem principal. Também faz uso de técnicas narrativas não cronológicas: em Irreversível, a história é contada de trás-pra-frente, enquanto em Love e Viagem Alucinante, cenas do passado se misturam com o presente de acordo com as lembranças e pensamentos do protagonista. 

Esses e outros instrumentos, que não se atêm apenas aos temas e personagens construídos, evidenciam uma direção experimental e atrevida que recheia por completo cada obra produzida. Em entrevista (disponível aqui), o diretor problematiza: "Por que no cinema americano é tão difícil achar um pênis não ereto? É porque vivemos em uma sociedade patriarcal na qual a maioria dos homens tem medo do pênis de seus vizinhos, que pode excitar suas mulheres, suas filhas ou suas mães? Eu não sei. Mas genitais são tão naturais quanto mãos, ou orelhas ou rostos. Não deveria ser um problema". Em um período onde a censura e o próprio papel da arte estão em discussão – principalmente entre aqueles que acompanham os variados debates e discussões que ocorrem nas redes sociais – artistas como Gaspar Noé tornam-se mais pertinentes que nunca, cabendo a nós a reflexão: até que ponto a arte pode ou deve limitar-se àquilo que é agradável?

Era Uma Vez No Oeste - 50 Anos de uma Obra-Prima que redefiniu o Cinema

$
0
0
Há filmes consagrados que dispensam palavras para descrevê-los: de Encouraçado Potemkinà trilogia O Poderoso Chefão, de Ranà 2001: Uma Odisseia no Espaço. São títulos que carregam uma aura maior que qualquer cartão de visitas, integram panteão máximo do cinema  e superam qualquer gênero ou classificação como obras de arte que atravessam gerações sem perder o brilho e se sustentando através do tempo como verdadeiros clássicos. Era Uma Vez No Oeste, que fará seu quinquagésimo aniversário este ano, é um dos nomes presentes nesse escalão de filmes que transcende o cinema e as artes cênicas e audiovisuais de forma geral. Não como um entretenimento qualquer, mas como documento do que o cinema era em 1968, quando foi lançado, e tudo o que ele poderia vir a ser a partir dali.

Esta obra faz a transição do clássico cinema de velho oeste americano, caracterizado pelas disputas territoriais e a relação dos homens e suas famílias com suas terras, a disputa entre mocinhos, foras da lei e índios; A visão do faroeste do italianoSergio Leonee o Spaghetti Western (Conheça o gênero aqui); E estabelece vínculo com o futuro, com a era moderna e a tecnologia que já batiam à porta. Já no título, a obra evoca que além de uma fábula, a história que se segue é um olhar, que não chega a prestar qualquer tributo ou homenagem para aquela época onde armas e dinheiro faziam a lei.


A trama se desenrola na cidade fictícia de Flagstone, oeste americano. Brett McBain, um irlandês há alguns anos radicado ali é dono de terras presumivelmente infrutíferas em meio a um deserto. O avanço da civilização chegou até aquele lugar, onde a ferrovia está prestes a cruzar as terras de McBain, que vem sendo coagido pelo dono da companhia à negocia-las, até ser friamente assassinado, deixando como única herdeira Jill McBain, com quem havia se casado em segredo poucos dias atrás em Nova Orleães. Três homens rondam Jillna história: Gaita (ou Harmônica), um novo homem sem nome, como já visto nos filmes anteriores de Leone; Cheyenne, um foragido da lei acusado injustamente do assassinado de Brett McBain; E Frank, o real e temível assassino contratado por Morton, o magnata ferroviário.

Os delírios e excentricidades de cada personagem, cada qual com trejeitos próprios e marcantes à sua maneira também fogem aos arquétipos, são todas construções corajosas. O que é possibilitado pelos atores que estão em grande forma: Claudia Cardinale, Charles Bronson, Jason Robards, Gabriele Ferzettie, especialmente, Henry Fonda - tão acostumado ao papel do herói que aparece incrível como o impiedoso Frank. Ferzetti, no papel de Morton, também passa com impacto a agonia de um homem rico e poderoso, porém deficiente e que precisa de auxílio até para se sustentar de pé – consumido pela própria ganância. Cada olhar de Jill como uma mulher que precisa lutar pela própria sobrevivência, e suas palavras carregadas com a vida que só uma grande atriz é capaz de dar, abrilhantam ainda mais as cenas dramáticas em que ela sempre se sobressai, enquanto Cheyenne tem nos últimos minutos do filme uma belíssima e sentida despedida, tanto com Jill como com Gaita.

O entrecho coloca o preto no branco (literalmente, em alusões as suas vestes) quando Gaita e Frank finalmente se encaram como antagonistas num confronto em que o passado virá à tona e o futuro será decidido, não apenas para os dois duelistas, mas também para Jill e a nova cidade que está sendo formada em torno da estação idealizada por McBain.

Era Uma Vez No Oeste sempre será historicamente significativo para a história do cinema, transcendental para Western Spaghetti e para a indústria como um marco de produção. Cinematograficamente perfeito, Sergio Leone encarna os elementos que fizeram de John Ford uma lenda, como seu preciso enquadramento e profundidade de campo em ambientes fechados aliados à técnica de planos fechados extremos - principal assinatura de Leone - pelos quais o público é sugado através dos olhos e emoções de cada personagem. Ennio Morricone, habitual colaborador do diretor, escreveu motivos harmônicos para cada um dos principais personagens da história, ponderosamente marcantes, que destacam e dão vigor apoteótico para cada um dos personagens - que sublimam ainda mais cada um dos encontros e conflitos do filme.
-
O que é Spaghetti Western (o faroeste italiano)?
Os 20 melhores filmes Spaghetti Western, segundo Quentin Tarantino
-
O roteiro escrito a seis mãos - em parceria do diretor com dois outros mestres do cinema italiano, Bernardo Bertolucci e Dario Argento, à época ainda jovens cineastas - é impecável e, sem sombra de dúvida, um dos melhores já escritos. Graças a ele, em momento algum o espectador assiste passivo ao filme e é sempre instigado a entender o que está se passando entre cada troca de olhares e diálogos não verbalizados. De forma tão palpável, que cada desconforto instaurado nos conflitos entre os pistoleiros é capaz de tomar a sala de exibição com o silêncio típico da tensão.

Como obra cinquentenária, seria uma enorme redundância encher Era Uma Vez No Oeste de adjetivos que já foram repetidos à exaustão. Poucas vezes a vingança, a cobiça, a luta pela sobrevivência e o sonho da vida ideal foram apresentados de maneira tão sublime e ao mesmo tempo tão agridoce em qualquer história já contada. Mesmo em meio à violência e jorrar desnecessário de sangue, o filme não passa nem perto de ser uma tragédia ou algo parecido. Apenas um sonho de outra época, demasiadamente humano com todas as dores e prazeres intrínsecas ao que insistimos em chamar de propósito.


Baseado em Fatos Reais (2017) - A meta-crise criativa de Polanski

$
0
0
Baseado em Fatos Reais (2017) é o mais novo filme do controverso diretor polonês Roman Polanski, dando continuidade à sua atual tendência de realizar filmes com um elenco reduzido e poucas locações, como fez nos superiores A Pele de Vênus (2013) e Deus da Carnificina (2011). Aqui, Polanski conta a história de Delphine (Emmanuelle Seigner), uma escritora que enfrenta um período de crise criativa após o lançamento - e o sucesso - de seu último livro, ao mesmo tempo em que se envolve com uma obcecada admiradora (Eva Green).

O filme, infelizmente, marca um novo ponto baixo para Polanski, que apesar de consagrado por clássicos cinematográficos como O Bebê de Rosemary (1968) e Chinatown (1974), aqui parece dirigir no piloto automático, deixando passar diálogos expositivos pouco polidos e enquadramentos desinspirados, aliados à uma montagem blocada que ignora qualquer possibilidade de frescor estético, o que torna o filme enfadonho em diversos aspectos.

Como se isso não bastasse, a banalidade e a previsibilidade da narrativa são evidentes a cada “virada” do roteiro co-assinado por Polanski e Oliver Assayas, que apesar de claramente beber na fonte do clássico thriller psicológico Louca Obsessão (1990), dirigido Rob Reiner e baseado na obra de Stephen King, não consegue atingir a mesma atmosfera ou suscitar no espectador a mesma potência de sensações, ainda que a dupla protagonista - especialmente Eva Green - tente elevar o material.

Mesmo quando expõe uma certa "contemporaneidade" temática ao tratar de assuntos em voga como as fake news, os haters da internet e relacionamentos abusivos, o filme parece fazê-lo com pouco interesse ou profundidade, o que infelizmente aproxima um cineasta como Polanski da situação atual de Woody Allen, não somente pela similaridade entre suas polêmicas da vida privada, como também pela indicação clara de que quantidade não é sinônimo de qualidade e que os melhores anos de ambos parecem ter ficado no passado.

Me desculpe, Claire Denis

$
0
0
Finalmente fui conferir o novo filme de Claire Denis, e quero dividir reflexões importantes durante o elogiado ‘Deixe a Luz do Sol Entrar’:

Bala 7 belo é a melhor bala do mundo, poucas conseguem atingir esse aroma de remédio que criança topa tomar. Mas tem aquela bala 'Tri', que se parece com um falso chiclete, a de maçã verde é a melhor de todas, vou deixar essa por último, eu sempre deixo a melhor parte por último - mas lembrar sempre que a morte não concorda com essa ordem. 

Será que vai chover depois do filme? Poxa, não trouxe guarda-chuva e eu odeio voltar pra casa com pé ensopado e a meia clamando por fungos. 

Não aguento mais as postagens daquele tipo de pessoa: arrogantes, tentam constranger o interlocutor, arrotam suas críticas sociais foda debochando de críticas sociais foda, lacram em cima da anti-lacração e, no fim, ostentam troféuzinhos de artilheiro retórico. Não ganham mais biscoito meu, greve de likes. 

Preciso mandar aquele email avisando o ator para não tirar a barba e lembrar que não será necessário fazer prova de maquiagem. 

Será que tá muito em cima para criar o meu evento de aniversário no Facebook? E aquele medo de apenas meia dúzia confirmar? Acho de bom tom os amigos que dão um ‘talvez’. Dar ‘talvez’ no evento é um sinal de interesse sem comprometimento, quase a mesma coisa que nada, mas muito melhor do que nada.

Amanhã é dia de receber da firma, mas agora estou na dúvida se emiti uma nota de MEI com dados faltando. To-do list de amanhã: academia, trabalho, almoço, checar a conta no banco, trabalho, banho, janta, Netflix - começar uma série nova ou continuar naquela que já está no episódio 6 e não melhora?

Eita, não to conseguindo me concentrar, e eu queria tanto fazer um texto poético [do filme] sobre o quanto a Juliette Binoche abraça os fragmentos do vazio e representa Barthes com muita dignidade e entrega. Aquela cena de sexo tão inteira, com respirações que quase embaçam a câmera. Olho para Binoche e penso nessa diva intocável de quase todos os cinéfilos que conheço, menos eu. Aguardo alguma flecha tardia.

Não sei o que está comprometendo minha atenção. Primeiro pesquei em ‘Amante Por um Dia’ e agora neste daqui. Será que eu não gosto mais de cinema? Sempre me pergunto isso quando não embarco num filme garantidão. Me sinto desrespeitoso com a obra ou com o meu ócio, mas talvez seja isso: não existe filme garantidão, há um corpo presente diante de uma tela ou apenas um corpo e uma tela. Quanto ao ócio, não é um prêmio do capital ao trabalhador obediente. O ócio é apenas o ócio. É isso, não se trata de broxar para um filme, mas entender quem veio antes, o ovo ou galinha? Se boiei porque o filme era ruim, ou se o filme era ruim porque boiei. 

Vou escrever um texto mesmo assim, um esboço da experiência inconclusa diante de um filme, sobre a ação de ir ao cinema para vivenciar algum ato que poderia acontecer em qualquer lugar. Isso me lembra a personagem Susan de Juliane Moore em ‘As Horas’. Uma mulher enfastiada da vida burocrática cotidiana passa a frequentar um quarto de hotel a fim de se isolar dessa repetição pacata, vive uma espécie de auto-anonimato ou anti-cativeiro, lugar donde seu pensamento consegue ser hipermetrope em relação aos conflitos existenciais. O cinema ou o quarto pairam refúgios de algum resgate ou de uma irresponsabilidade calculada. 

Então eu vou escrever um texto em que eu sacrifico um filme apenas para colorir uma tese, um filme que poderia ser qualquer outro já que esse texto é pura vaguidão específica. Um filme que não é o destino, é carona. Um filme que pouco existiu diante de mim, um filme que eu já menti que vi, mesmo tendo visto de fato. 

No final, vou concluir dizendo que existem os bons filmes, os filmes ruins e os filmes que NÃO PRESTAMOS ATENÇÃO.

A debilidade das relações em 'Loveless'

$
0
0

O cineasta Andrey Zvyagintsev aparece como um dos principais nomes do cinema russo e mundial da última década, especialmente por evidenciar em seus trabalhos forte sofisticação estilística e descontentamento com a sociedade pós-moderna russa - fazendo com que o diretor não seja muito bem quisto por determinados setores em seu país de origem. Em Leviatã (2014), vencedor do prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes e do Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, Zvyagintsev incomodou diversas esferas da classe conservadora. A igreja ortodoxa russa, por exemplo, declarou que o filme não tinha o direito de existir e que o Estado teria a obrigação moral de coibi-lo. O governo também expressou sua insatisfação por meio da elaboração de um projeto de lei que proibisse filmes que “difamassem os princípios da sociedade russa.”


Nada disso interferiu no trabalho de Zvyagintsev e seu último trabalho, Loveless (2017), segue a mesma tendência em denunciar a inversão de valores que permeia o cotidiano dos habitantes de um país cujas instituições encontram-se colapsando em declínio moral. O interessante é que Zvyagintsev faz isso por meio de um enredo baseado principalmente nas eventualidades inerentes das relações humanas: um casal está em vias de divórcio e não sabe o que fazer com seu filho. Zhenya (Maryana Spivak), a esposa, deseja um recomeço para sua vida tanto quando seu marido, Boris (Aleksey Rozin), que será pai pela segunda vez com uma mulher mais jovem em breve. Alyosha (Matvey Novikov), o filho, representa um vínculo com um passado que querem deixar para trás, tendo em vista que mesmo sua concepção ocorreu de maneira menos afetuosa do que burocrática: ao perceber a gravidez, decidiram pelo casamento em vez do aborto.

É esse cenário corriqueiro que serve para destrinchar as mazelas de relações sociais que aparecem cada vez mais interiormente desertificadas e vazias de substância, ambas características associadas às tendências individualistas do mundo pós-moderno - que faz com que o compromisso social e moral seja liquidado em prol do estímulo aos prazeres imediatos, da felicidade intimista e material, do culto do eu. Isso pode ser verificado ao constatar a renúncia do casal ao filho em benefício de sua futura felicidade; da obsessão de Zhenya por redes sociais; do ambiente de trabalho extremamente rígido, conservador e ortodoxo de Boris; da fragilidade de quase todos os relacionamentos entre os personagens – que são frios assim como o inverno repleto de árvores secas retratado na fotografia crua e límpida

A despeito do desaparecimento, os protagonistas não mudam suas atitudes em relação ao outro em função do evento, mas ao contrário, as desavenças parecem intensificar-se ao ponto de serem incapazes de viajar no mesmo carro, ainda que a favor de um motivo maior. Ainda assim, tratam o sumiço de Alyosha menos com afeto pela incerteza do destino de um ente querido do que como obrigação perante a si mesmos e aos outros, afinal, constitui episódio conveniente frente às conjunturas do divórcio - nenhum dos dois se dispôs a manter a guarda do filho, de qualquer forma. 

Com título de "Sem Amor" (inicialmente Desamor) no Brasil, Loveless não trata sobre o desaparecimento de uma criança, mas tece, de forma cirúrgica, o retrato de uma sociedade hedonista cuja falta de referências e incapacidade de reflexão é sintomática.
_
Loveless conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, onde também foi indicado à Palma de Ouro, e recebeu indicações ao Globo de Ouro e Oscar por Filme Estrangeiro.

'O Terceiro Assassinato': a ética da imagem driblando a lógica do suspense

$
0
0
Num ambiente carcerário, dois homens se olham através de um vidro por quase duas horas, aparentemente há uma distância moral entre os dois.

O vidro é um material ambíguo, ao mesmo tempo em que é transparente, reflete também.

Num ambiente carcerário, dois homens se olham através de um espelho por quase duas horas, aparentemente há uma aproximação moral entre os dois.

De um lado, um advogado de defesa, do outro, um suposto criminoso - ele acaba de matar o chefe que o demitiu da fábrica em que trabalhava.

A primeira pergunta que eu sempre me faço diante de algum crime aparentemente desvendado e confesso é: quais as aspirações de um advogado de defesa para aceitar uma causa ‘perdida’ ou defender um infrator hediondo da lei? Das poucas vezes em que conversei com amigos da área de direito, ouvi um tipo de resposta que vale a menção: alguns acreditam que muitos criminosos são ex-vítimas, agem dessa forma quase como uma reação espelhada a alguma dor sofrida anteriormente, não é uma crueldade relacionada a uma suposta essência, mas a uma quebra de estrutura psíquica vivenciada pelo réu em algum trajeto traumático. A figura desse tipo de advogado (do diabo) representa um polo de equivalência necessário ao equilíbrio do sistema penal, uma defesa pautada numa espécie de leilão moral, em que minimizar os danos ao acusado é um contraponto em justo alinhamento com a ideia de direitos humanos. 

Em ‘O Terceiro Assassinato’, do cineasta Hirozako Koreeda, o personagem Shigemorié o advogado de um réu-confesso, Misumi, de um assassinato com requintes cruéis e com histórico de outros homicídios no passado, mas que durante a narrativa muda a todo momento a versão do crime que inicialmente disse ter cometido. Mesmo frente aos indícios de que algo está errado, vamos notando uma certa imparcialidade em relação a mentira de seu cliente. Sua maior preocupação é pragmática: manipular a defesa de maneira convincente ao júri, revelando um estado de frieza e agonia diante da oscilação de um homem que, estranhamente, começa a confessar sua inocência, um plot incomum e muito bem explorado pelo diretor.

Neste percurso de dissolução factual, tanto a condução quanto o conteúdo narrativo parecem adotar uma estratégia interessante e quase simbiótica: a mesma margem de dúvida que vai se estabelecendo através da dialética entre os personagens, vai também tomando conta da estrutura do filme. Kore-eda bota em cheque a própria idoneidade da imagem. Quem garante que o que foi mostrado trazia uma dimensão exata e inteira do fato em si? Quem disse que um cineasta tem a obrigação de cumprir esse tipo de regra? Tal dispositivo maquiavélico parece confluir com o próprio desmonte da lógica dos acontecimentos, talvez o filme minta junto com o réu, provável, sejam cúmplices ocultos. O diretor quebra uma regra em prol da surpresa, estamos diante de um suspense em que a própria narrativa se corrompe, dando ao material uma tintura madura em sua leviandade. Inverte-se a lógica de um filme de pistas, a mentira desmascara a verdade, a resposta final é dada no início, mas vamos percebendo que a verdade nem sempre é a resposta final

Um fator que contribui bastante para que a narrativa ganhe um sedimento duvidoso, é a interpretação do ator Kôji Yakusho, que oscila entre a frieza e a emoção, despertando pena e depois revolta e depois pena. É um filme econômico em locações, discreto na fotografia, precário em suspensões imagéticas (há lindas exceções, como a cena da neve), basicamente ancorado nas interações verbais. A viabilidade parece exercer sua fundamentação no que se revela uma longa conversa recortada, que atinge suas nuances a partir de viradas e novas evidências do durante, é preciso vencer a monotonia da imagem e se concentrar na riqueza das variações retóricas, ao invés da monotonia cansativa, estamos diante de um tédio bem preenchido, em plena asseveração. 

O cinema dialógico tem um bom representante no ano, uma película cheia de culpa no cartório, que nos dobra na conversa. Enquanto a ética da imagem parece comprometida, o lucro é todo nosso.

Construindo o impossível: o impacto de M. C. Escher no cinema em 7 filmes

$
0
0

O artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher (1898-1972) ficou conhecido pelas suas xilogravuras, litografias e meio-tons que brincavam com a nossa percepção da realidade. Tirando inspirações da natureza, da matemática e da arquitetura, Escher criou ilusões de ótica que se perpetuaram no repertório popular. 

As estruturas que ele inventou influenciaram diversas gerações de artistas e, é claro, o cinema não fugiu à regra! Aliadas à tecnologia fornecida pela sétima arte, as obras do holandês inspiraram diversos filmes a brincarem com a realidade e criarem espetáculos visuais fenomenais com o objetivo de construir o impossível. Confira alguns deles:

1) Suspiria

Suspiria | Dario Argento | Itália | 1977
O clássico terror italiano respira referências à M. C. Escher, principalmente no design de produção. Além da própria arquitetura dos cenários, diversos espaços da história contam com ilustrações que imitam obras famosas, como “Céu e Água I” (1938), na parede do quarto da amiga de Suzy, e o emblemático mural na sala da diretora que imita “Belvedere” (1958). Como isso se não bastasse, a sinistra escola de balé se localiza em Escherstraße, que em alemão significa “Rua Escher”.

2) Labirinto - A Magia do Tempo

Labyrinth | Jim Henson | EUA | 1986
Uma das cenas mais icônicas deste clássico dos anos 80 é a perseguição na sala de escadarias. O cômodo no castelo do Rei dos Duendes (David Bowie) é uma referência direta à “Relatividade” (1953), uma litografia que retrata um mundo onde não se aplicam as regras da gravidade como nós conhecemos. Para recriar a construção impossível, o diretor Jim Henson e o designer de produção Eliott Scott tiveram que quebrar a cabeça para confundir a audiência de várias maneiras possíveis. Foram utilizados ângulos diferentes, takes invertidos na edição e até mesmo dublês. O próprio cenário teve que ser planejado de forma que fosse impossível dizer a verdadeira direção que as escadas seguiam. Os bastidores dessa cena podem ser conferidos neste trecho do documentário Inside the Labyrinth.

3) Contato

Contact | Robert Zemeckis | EUA | 1997
A adaptação do livro de Carl Sagan voltou à tona nos últimos anos quando uma de suas cenas viralizou na internet. O plano sequência - que você pode conferir aqui - chamou a atenção por brincar com a percepção dos espectadores ao transferir a ação da personagem para o reflexo no espelho, sem nenhum corte aparente. É possível traçar uma inspiração no auto-retrato do holandês feito a partir do reflexo numa esfera, mas não para por aí! Além desta cena, o departamento de arte usou as formas geométricas de Escher para conceber os objetos alienígenas vistos no filme.

4) O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel

Lord of the Rings: The Fellowship of the Rings | Peter Jackson | EUA | 2001
Os protagonistas da saga tiveram que usar Moira, um complexo subterrâneo de minas, túneis e salões, para atravessar as Montanhas Sombrias e seguir com sua jornada épica. Do design das estruturas no subsolo da Terra Média até a direção da cena em si, a equipe se baseou na xilogravura “Procissão na Cripta” (1927). Além de Escher, esse segmento do filme também teve como inspiração o gravurista e arquiteto italiano Giovanni Battista Piranesi.

5) A Origem

Inception | Christopher Nolan | EUA | 2010
Quem melhor pra trazer Escher pro cinema do que Christopher Nolan? O diretor é conhecido pelas suas megalomanias visuais e narrativas que já renderam uma porção de fiéis seguidores. Lidando com o conflito do mundo real e do mundo dos sonhos, as influências das ilusões de ótica e construções impossíveis do artista podem ser percebidas em diversos momentos de A Origem. O mais óbvio deles é quando os personagens de Joseph Gordon-Levitt e Ellen Page andam sobre uma réplica da paradoxal Escada de Penrose, criada por Leonel e Roger Penrose e eternizada na história da arte por Escher em “Subindo e Descendo” (1960).

6) Peixe & Gato

Fish & Cat | Shahram Mokri | Irã | 2013
E quem disse que Escher só incentivou os filmes no aspecto visual? Segundo o diretor Shahram Mokri, a trama desse premiado suspense iraniano teve grande influência do artista holandês. Inclusive, Escher já tinha retratado os animais presentes no título em diversas de suas obras - como “Gato Branco” (1919), “Metamorfoses II” (1940) e "Três Mundos" (1955).

7) Doutor Estranho

Doctor Strange | Scott Derrickson | EUA | 2016
Para introduzir a magia como um elemento existente no Universo Cinemático da Marvel, os supervisores de efeitos visuais Stephane Ceretti e Richard Bluff ousaram na hora de criar o design da dimensão espelhada - onde os super-heróis podem batalhar sem interferir no mundo real. Para cumprir bem o desafio de adaptar Escher para as telonas, além de se inspirarem diretamente nas obras, a produção também estudou a forma como outros filmes já haviam trabalhado com as gravuras. Segundo uma entrevista para o site Deadline, as principais influências foram os filmes “A Origem” e “Contato”, além do video-game “Monument Valley”. Muito além das famosas escadas, é possível traçar as referências de Doutor Estranho com obras menos famosas como "Planetóide Duplo" (1949).

Conte para a gente: qual destas referências é sua favorita?
Viewing all 281 articles
Browse latest View live